sábado, 26 de março de 2011

MEU INFERNO SOU EU


MEU INFERNO SOU EU

Muito tempo após a partida do cortejo fúnebre, Bia Valente continuou encarando a lápide branca, esculpida em Mármore Carrara. A peça tinha certo ar aristocrático, mas ainda parecia pouco para alguém de sua posição social.
Depois de tudo que fiz, é isso que mereço? Uma laje fincada na grama? Preferia ter sido sepultada num daqueles jazigos enormes, igual o da Vandinha Albuquerque. Aquela esnobe deve ter se achado grande coisa quando morreu! Bom, ao menos esse cemitério é mais chique, eu acho...
Em busca de consolo, baixou o rosto para olhar seu novo aspecto. Nunca gostara de sua forma física em vida, mesmo após várias cirurgias plásticas, centenas de dietas mirabolantes e infindáveis horas nas melhores academias do Rio. Agora, seu corpo fantasmagórico era lindo e esbelto, do jeito que ela sempre lutara para conquistar. Claro que não poderia ficar se exibindo por aí, mas em compensação não precisava mais se preocupar com o que os outros pensavam da sua aparência.
Isso sim é descansar em paz...
Então, escutou um barulho vindo das profundezas de sua cova.
Afastou-se flutuando, olhando amedrontada para trás. Seu marido Aristeu costumava dizer que ela era “valente apenas no sobrenome”, algo muito irritante, ainda mais por ser verdade. Como a morte não a deixara mais corajosa, se escondeu atrás de um pinheiro ao ver o montinho que se erguia da sepultura. Seria o diabo vindo buscá-la?
Não pode, sempre fui uma boa pessoa! E todas aquelas festas beneficentes que organizei pra Fundação da... ah, daquela doença lá, isso não conta?
Ficou na expectativa, esperando o surgimento de uma cabeça chifruda e flamejante que iluminaria a noite nublada. Porém, a única coisa que rompeu o solo foi uma mão feminina, com uma aliança de diamante no dedo anular.
O diabo roubou meu anel? – perguntou-se tolamente, antes do outro braço esticar para fora e fincar os dedos na grama. Um rosto de olhos vidrados apareceu em seguida, envolto por cabelos desgrenhados e sujos de terra.
Quê? Não, NÃO!
Se pudesse desmaiar, Bia teria perdido os sentidos antes que seu cadáver terminasse de levantar da cova. A coisa esticou os braços, deu três passos trôpegos e falou:
- Célebros!
Bia quase teve um ataque, ou ao menos, o mais próximo de um ataque que um espírito poderia ter.
Não é justo! Já virei um fantasma bonitinho e limpinho, meu corpo não tinha nada que sair andando todo malacafento!
Flutuou em direção à carcaça, que repetiu:
- Célebros!
- É “céreblos”, anta! – gritou o espectro, finalmente atraindo a atenção do defunto. – Quero dizer, “cérebros” e... Ah, não importa, volta já pra tumba, criatura infeliz!
Com rapidez insuspeita, o ente cadavérico deu três passos em direção ao espírito, que não foi rápido o bastante para desviar dos dedos que atravessaram sua cabeça.
- Céle... Cérebro?
- Sinto muito, dear – respondeu a assombração, sentindo-se confiante por descobrir que não podia ser ferida. - Agora seja uma boa...
Aquilo saiu caminhando em direção ao muro, deixando a aturdida Bia para trás. Ver seu cadáver desalinhado daquele jeito era como ver a si mesma quando acabava de acordar, mas dez vezes pior.
E exposta para o mundo todo ver.
- Espera aí! – gritou a alma sem corpo para o corpo sem alma, que terminava de escalar o muro em direção à liberdade.

O defunto já tinha andando dez quadras, sem se importar com as ordens para voltar ou com as mãos incorpóreas que tentavam segurá-lo. Os poucos transeuntes noturnos sempre atravessavam a rua antes de chegar perto, julgando que aquela estranha senhora devia estar drogada. Bia até tentou entrar no antigo corpo, mas o misterioso dispositivo que conectava a alma com a carne jazia desligado.
Estou no inferno, só pode...
- A madame tá perdida? – disse um rapaz encostado num poste, com uma tranqüilidade suspeita àquela hora da madrugada. Mesmo assim, era alguém que poderia auxiliá-la.
- Moço, poderia me ajudar? Mocinho? – perguntou a alma penada, parada na frente do rapaz. Porém este não podia vê-la, ou talvez estivesse muito concentrado no anel daquela mulher imunda e trôpega. Ele colocou a mão no bolso que tinha um canivete e se aproximou.
- Cê tá bêbada, é...?
- Cérebro!
Mãos geladas enlaçaram a cabeça do ladrão, que se defendeu enfiando a lâmina na barriga da atacante.
- Meu Deus... – gemeu o fantasma.
Os dedos cadavéricos começaram a apertar, provocando um som de rachadura que foi abafado pelos gritos atrozes do rapaz. Ele tentava escapar, mas por algum motivo, a morte dera uma força sobrenatural ao defunto.
- Que horror!
Após alguma resistência o crânio cedeu, espirrando pedaços cinzentos numa erupção de encéfalo e sangue.
- Olha quanta banha! – exclamou Bia, olhando o rasgo que o canivete havia feito no vestido, revelando seu antigo abdome. – Por favor, corpinho, volta pro cemitério, você já conseguiu o que queria!
A carcaça engoliu a massa craniana em poucas dentadas e então voltou à sua marcha obstinada, para algum lugar que só ela sabia.
- Cérebros!
- Porra! Se continuar comendo, vai engordar! Mais!
- Que droga é essa... – gemeu uma voz confusa.
Bia se voltou para o espírito do assaltante, parado ao lado do próprio cadáver com expressão incrédula. Repentinamente, um buraco surgiu abaixo do espectro masculino, que caiu no abismo berrando em desespero.
A socialite fantasma permaneceu imóvel por alguns segundos, antes de lamentar:
- Maldito sortudo.
E voltou à perseguição.

Quinze minutos depois, a situação de Bia havia mudado. Para pior, pois descobriu que seu corpo estava voltando para a mansão onde morava em vida.
Oh my God, se o Aristeu me vê assim, vai morrer de desgosto!
Quando estavam a poucos metros do portão, uma idéia a sossegou.
Nem em sonho o Fonseca deixa esse infortúnio entrar!
Fonseca era o segurança que ficava na guarita, um homenzarrão de dois metros que se vangloriava de não ter medo de nada. Nesse caso, um cadáver semovente devia ser a exceção que confirmava a regra, pois ele gritou como uma garotinha ao ver sua antiga patroa pulando o muro. Tentou fugir, mas tropeçou e bateu a cabeça, desmaiando. A causadora dessa ceninha ridícula cambaleou em sua direção.
- Cér...
- Não, nada de cérebro aqui! – gritou a alma penada, saltando diante do corpo como uma cheerleader enlouquecida. – Pra lá, pra lá tem mais cérebros, bem gostosos e nutritivos!
- Cérebros... lá?
- Isso darling, tem cérebro ao vinagrete, ao molho de amêndoas, miolos de todo tipo...!
- Miolos não! Cérebros!
- Tá, que seja, vem!
O defunto esqueceu o vigia, porém não foi para o lado que Bia indicou. Estava atravessando o jardim em direção à casa.
- Não, burra, não!
O silêncio noturno foi invadido por latidos nervosos, que a socialite espectral reconheceu de imediato. Os cães de guarda iriam estraçalhar aquela monstruosidade!
A carcaça parou, olhando para os pastores alemães que chegavam correndo.
Agora você vai ver, piranha flácida!
Os animais saltaram, salivando de antecipação.
Isso!
E começaram a lamber o rosto do cadáver.
Bosta!
- Brutus... Titã... – balbuciou o defunto. Os cachorros faziam festa para aquilo que ainda reconheciam como a dona, que sempre arrumava um tempinho para brincar com eles. A coisa morta acariciou suas barrigas com uma expressão de felicidade abobalhada, com filetes de pus escorrendo da boca aberta.
Bia tentou chorar de frustração, mas nem isso conseguiu. Então, o portão começou a abrir.
Ainda encoberta pelas sombras das árvores do jardim, a criatura cadavérica claudicou em direção à BMW que entrava. Caso Aristeu tivesse o hábito de cumprimentar o segurança, poderia ter percebido sua ausência. Mas como sempre, não olhou para os lados e foi direto até a garagem. Bem arrogante, mas era o homem que Bia amava. Agora, aquele corpo nojento iria atacar o recém-viúvo.
- Pare! – gritou a assombração, correndo inutilmente ao lado do cadáver que, em poucos instantes, alcançaria a porta da casa.
- Pare já! Tem cérebros em outro lugar, volte...
Estava quase alcançando o caminho asfaltado, onde ficaria à vista.
- PARE AGORA, RETARDADA! – berrou o fantasma, dando um tapa que virou o rosto perplexo do antigo corpo. Diante da intensa e inexplicável manifestação de fúria na atmosfera, os cães ganiram e correram para longe, deixando rastros de urina pelo chão.
- AGORA TÁ ESCUTANDO, NÉ COISA FEIA? PORCA! LIXO! – berrava Bia, dando golpes e socos violentos no defunto, que se afastou gemendo.
- Dói...
- É PRA DOER, VACA! – rosnou o espírito, agarrando os cabelos do cadáver e esfregando sua cara no solo. – VAI PARAR AGORA? VAI?
O corpo não respondeu, apenas continuou chorando com o nariz enfiado nas folhas secas, de forma patética.
Bia afastou-se repentinamente, tomada por um sentimento parecido com autopiedade. Ver aquele reflexo deplorável era algo que ninguém devia ser forçado a suportar. Concentrando o resto de sua ira, agarrou uma pedra de peso considerável e ergueu acima da cabeça do defunto, pronta para acabar com aquilo.
Sinto muito. Mesmo.
Mas antes de dar o golpe final, escutou algo vindo da mansão.
Gargalhadas.
Femininas.
Deve ser a TV – pensou a alma penada, largando o pedregulho no chão. Imaginando que o cadáver não sairia do lugar, voou até a residência. Quando entrou no quarto, sentiu um estranho aperto que não julgava mais ser possível. Afinal não possuía mais coração, tecnicamente falando.
- Conseguimos, gostoso! – exclamou a belíssima loira agarrada no pescoço de Aristeu, que percorria seu corpo escultural com mãos ávidas. Era a personal trainer de Bia.
- Vanessa, a gente não devia estar junto hoje, acabei de enterrar minha esposa...
- Ah, faz favor, né? Ninguém vai nos ver aqui, e mesmo que vissem, todos sabem que vocês ricaços não prestam! Né, cachorro?
- Au au! – fez o homem de meia-idade, fingindo que ia mordê-la. Ela correu soltando gritinhos e atravessou o corpo intangível da falecida.
Bia não podia acreditar naquilo, seu marido sempre fora tão correto, tão sério! Bem, é claro que andava tendo mais reuniões ultimamente, além de ter adquirido uma súbita preocupação com a aparência, mas...
- Eu ainda estou preocupado. E se exumarem o corpo? Os pais da Bia não engoliram bem essa história de “ataque cardíaco”.
- Linduxo, já falei, não tem como detectar aquele veneno, o corpo metaboliza tudo após a morte. O negócio é importado dos Estados Unidos, de Nova Orleans, coisa fina!
A assombração andou para trás até encostar-se à penteadeira, onde um porta-retratos mostrava o dia de seu casamento com um Aristeu jovem e sem posses, mas ganancioso o bastante para cair nas graças do sogro.
- Além do mais, tua mulher tinha muuuuito corpo para metabolizar, se é que você me entende – ironizou a loira, fazendo uma fraca tentativa de inchar a barriga tanquinho.
O porta-retratos caiu com estrondo, espalhando cacos pelo chão. Vanessa olhou, assustada.
- O que...
- Caiu.
- Isso é óbvio, mas...
- Esquece isso. Vem cá, deliciosa, vamos aproveitar nossa primeira noite livres!

Bia flutuou pelo jardim, parando ao lado do cadáver que ainda choramingava. Sentiu um súbito remorso por ter tratado seu corpo daquela maneira; o corpo que desconfiava das traições do esposo a cada abraço menos intenso, em todo perfume fraco que seu nariz percebia na roupa, a cada desculpa que roçava seus ouvidos de forma pouco convincente. Sim, seu corpo sabia, mas a alma se recusava a acreditar. Talvez isso explicasse porque estava indo atrás do marido com tanto empenho.
Para fazer justiça.
- Pobrezinha... – disse o espectro, passando os dedos transparentes pela cabeça da carcaça, que ergueu os olhos desconfiados.
- Dói...?
- Chega de dor. Vem, você ainda deve estar com fome. Só não faça barulho.
O defunto acompanhou a socialite fantasma, que abriu a fechadura da frente sem esforço. Estava ficando boa em mover objetos. Subiram a escada sob o som dos gritos de prazer do casal, que se transformaram em brados de pavor quando a entidade cadavérica chegou ao quarto.
- Cérebros?
- Se você encontrar algum nesses dois, querida, pode se esbaldar – falou, dando passagem ao cadáver antes de trancar a porta. Apesar da raiva, o espírito preferiu ficar do lado de fora. Não queria ver aquilo que sua nova amiga faria lá dentro.
Sorrindo enquanto ouvia os crânios sendo estilhaçados, Bia pensou na ironia da situação.
Finalmente havia feito as pazes com seu corpo.

sábado, 19 de março de 2011

História em Quadrinhos - Acontecimento na Estrada

Olá, se ainda houver alguem aí. Hoje, trago algo diferente. Ano passado, recebi a sugestão de quadrinizar algum conto meu, para então tentar participar da revista do site Boca do Inferno, que estava aceitando contribuições. Depois de muita procura, encontrei um talentoso desenhista Curitibano, o Sandro Santos, que aceitou fazer o trabalho pelo simples prazer de treinar sua arte e de ser publicado em papel. Após alguns dias de trabalho conjunto, conseguimos um bom resultado, que foi muitíssimo elogiado pelos responsáveis pela revista. Tudo estava certo para a história sair no próximo número, porém, por uma dessas ironias da vida, o gibi foi cancelado antes de sair a edição com nossa HQ. Diante disso trago aqui a história, uma adaptação do miniconto A Loira da Estrada, que pode também ser conferido clicando aqui. Mas antes leia os quadrinhos abaixo, basta clicar em cada página para que elas fiquem num tamanho decente.

Boa leitura.

domingo, 31 de outubro de 2010

TORMENTO

Dia das Bruxas, dia de eleições, dia de retomar às atividades no Blog (ou talvez hoje seja apenas uma exceção na interrupção das atividades? O tempo dirá). De qualquer forma, obrigado a todos que sentiram minha falta (sim, eu li as mensagens). Aqui vai um conto que foi publicado originalmente no livro Draculea - O Livro Secreto dos Vampiros, organizado por Ademir Pascale. Um abraço e feliz Dia das Bruxas!

TORMENTO
As nuvens noturnas se agitavam sobre as cordilheiras, beijando os cumes com lábios elétricos e destruidores. A água ainda não havia começado a cair, como se a tempestade estivesse na expectativa, aguardando o momento certo para desempenhar seu papel. Observando tudo do topo de uma das montanhas, o gigantesco vampiro de cabelos negros ponderou que não era um cenário ruim para morrer.
Mas com certeza era melhor para matar.
Percebera a aproximação dos intrusos minutos antes, agora mantinha a espada desembainhada, à espera. Tinha expressão grave, inadequada com sua índole expansiva e rebelde. Não era justamente essa rebeldia que estava colocando sua vida eterna em risco? Afastou o pensamento, não era dado a lamentações. Além disso, talvez o ancião não soubesse do seu envolvimento nos acontecimentos recentes, e viesse apenas investigar. Mas na pior das hipóteses, o dono do território ainda tinha chance de vencer. Afinal, era o maior de sua espécie, e muitos haviam experimentado a lendária força de seus golpes como sensação derradeira.
Refletia sobre isso quando o batalhão surgiu na trilha lá embaixo, caminhando à beira do abismo de profundidade ignorada.
- Veja só quem desceu de sua montanha para visitar meu humilde morro! – gritou o titã, para se fazer ouvir entre os trovões. - A que devo a honra?
O líder deteve a marcha e levantou os gélidos olhos azuis, os vastos cabelos brancos balançando como fantasmas.
- Uma vez que não parece surpreso com minha vinda, creio que você já sabe o motivo – respondeu a figura imponente, botando o máximo de desprezo na palavra “você”. Os vampiros só se tratavam pelos nomes quando havia algum respeito mútuo.
- Por que me surpreenderia? Você sempre escolhe noites tempestuosas para tuas ações, fazendo os humanos ignorantes acreditarem que o tempo se curva à vossa vontade, e não o contrário.
Os guerreiros soltaram imprecações de revolta entre os caninos afiados, sendo calados por um gesto do comandante.
- Suas blasfêmias foram toleradas por tempo demais.
- “Blasfêmias”? Será que após tantos séculos de fingimento, começou a acreditar no próprio embuste? Hilário! Pensa que é mesmo um deus, quando não passa de um iludido recebendo adoração do próprio gado!
- Tua língua se volta contra você, que espalhou o boato de ter sido o criador da raça humana.
O peito grosso como um pilar vibrou numa gargalhada retumbante, causando desconforto nos soldados ansiosos.
- Apenas um gracejo para me divertir com os macaquinhos, nada mais.
- E entregar nosso maior segredo a eles, também foi uma piada?
- Se foi, é uma que não conheço – respondeu o colosso, com inocência quase convincente. - Não sei do que está falando.
- Além de tolo, é mentiroso! – urrou o mais velho, perdendo a paciência. - Tolo por não conhecer o potencial dos homens para a aniquilação total, e mentiroso porque seu real intento era conquistar a simpatia deles, formando um exército para tomar o poder!
- Ah! A senilidade começa a mostrar sua triste face!
- Acho que não é do meu crânio que a razão começa a esvair! Soube que também revelou nossas fraquezas, algo estúpido demais até para você! Assim nos contou seu comparsa, antes de... Bem, antes disso.
O vampiro grisalho recebeu um objeto redondo do assecla ao lado e jogou para o dono do território, no momento que a chuva começava a martelar as rochas para escorrer em cachoeiras escurecidas. Desapontado, o gigante olhou a face de seu bravo irmão, imaginando que tipo de tortura havia quebrado sua inabalável vontade. Agora, era o adversário que sorria.
- Apesar de sua fama, não passa de um covarde. Já que desejava o comando, por que não me desafiou de forma honrada?
Porque acho que sua armada de fanáticos não me aceitaria como líder – refletiu, mas como não havia mais possibilidade de derrubá-los numa guerra, abandonou a argumentação e berrou:
- Como queira, velhote! Eu o desafio pela lideran...
A figura de cabelos brancos saltou com tal velocidade que o desafiante mal teve tempo de levantar a espada, sendo jogado para trás com o impacto brutal. Firmou-se e deteve outro movimento do oponente, que teria arrancado seu braço esquerdo numa explosão de ossos e agonia.
Os guerreiros chegaram instantes depois, cercando os lutadores com grave expectativa. Confiavam na capacidade de seu mestre, que por ser o mais antigo deles, também devia ser o mais poderoso. No entanto, ele mal batia no ombro do inimigo, cujos golpes desciam com a intensidade de árvores seculares caindo no solo. Pelo que tudo indicava, a diferença de tamanho os deixava equilibrados.
Totalmente concentrados no combate, nenhum dos dois falava; as espadas zuniam e cortavam gotas de chuva, antes de colidirem com estrondos que sobrepujavam os próprios trovões; os expectadores tinham dificuldade em acompanhar os golpes, que sequer eram desferidos com força máxima; afinal, caso um deles fizesse um movimento muito intenso e o outro desviasse, ficaria desequilibrado e vulnerável a uma estocada letal; portanto, estudavam a movimentação alheia numa dança calculada, aguardando algum deslize enquanto provocavam pequenos ferimentos, que fechavam logo em seguida.
O erro veio após vários minutos. O ancião desferiu um golpe em arco lateral, que foi antecipado pelo mais jovem e este desviou com facilidade.
Os soldados soltaram um lamento quando seu comandante cambaleou para frente.
O adversário agarrou o cabo com as duas mãos para desferir o golpe final.
Morra, verme! – pensou em triunfo, porém o velho desviou com uma finta, girou a lâmina e atravessou o coração do gigante, que perdeu os sentidos antes de compreender que havia sido enganado.

O líder olhou pesaroso para o oponente caído. O grande idiota, acreditando que poderia comandar os comedores de sólidos com falsa benevolência! Embora fossem fracos e primitivos, os humanos eram imensamente mais numerosos, parindo suas crias com a rapidez de coelhos silvestres. Era conveniente aos vampiros se passarem por deidades para controlá-los, com a vantagem de torná-los presas dóceis. Mas agora, estava tudo acabado. O segredo que o titã entregara aos homens se espalhava de aldeia em aldeia, com tal velocidade que seria impossível interromper o processo. Logo aprenderiam a construir espadas, machados e coisas piores, para depois se voltarem contra seus antigos deuses.
Por trazer a ruína ao seu povo, o culpado precisava pagar. Os instrumentos de punição foram preparados com rapidez, pois os ferimentos do traidor logo cicatrizariam.
- Já que tem tanta vergonha de ser uma divindade, providenciarei para que seja lembrado de outra forma – rosnou o ancião. - Nem em nossos registros será considerado um de nós.
Após definidos os vigias do primeiro turno, o líder partiu com os demais, todos abatidos pela preocupação. Em breve, abandonariam a esfera dos mitos divinos e passariam a viver nas sombras, como predadores secretos, embarcando assim numa categoria de lendas bem mais sinistra.

O perdedor despertou acorrentando no cume da montanha, os elos tão imensos que nem sua força prodigiosa seria capaz de arrebentar. A luz do dia convertera sua epiderme branca em uma grande mancha vermelha, a sede implacável ainda pior que a aflição das queimaduras. Viu um pássaro carniceiro descer sobre seu abdome desprotegido, e a pele fragilizada pelo sol foi rasgada com facilidade.
Gemeu de amargura quando suas vísceras começaram a ser devoradas. Outras aves vieram participar do banquete, disputando cada pedaço com selvageria. Logo perceberam que isso era desnecessário, pois os órgãos do prisioneiro se regeneravam após cada bicada, prontos para sofrerem de novo o mesmo martírio. Com uma fonte inesgotável de alimentos à disposição, aqueles animais outrora nômades acabariam fixando residência no local, garantindo assim o sustento de seus descendentes.
Enfim arrependido por ter ensinado aos homens como produzir o fogo, o vampiro conhecido como Prometeu soltou um grito que ecoou por todo o monte Cáucaso, um brado de desespero e dor intolerável.
Um som que se repetiria muitas vezes nos próximos milênios.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Suspensão Temporária das Atividades

Olá a todos. Vim apenas para oficializar o óbvio, ou seja, vou dar uma parada nas atividades do blog. Preciso resolver muitos problemas de caráter pessoal e profissional, e com tanta coisa na cabeça, simplesmente não consigo ter tempo e tesão de escrever aqui. Assim que puder, volto a publicar. Grande abraço, já estou com saudades :(

quinta-feira, 10 de junho de 2010

PERIGOS NOTURNOS

Miniconto que ficou entre os finalistas do concurso O Monstro Embaixo da Cama e foi publicado na e-zine Flores do Lado de Cima. Coloquei aqui para fechar minha trilogia sobre o assunto (ô pretensão! Rsrs). Boa minileitura.


Perigos Noturnos


Pela terceira vez àquela noite, o bebê começou a chorar.

- É sua vez de novo – disse o homem à esposa, que sentou na beira da cama, sonolenta. O lamento infantil continuava vindo pela babá eletrônica, e a mulher olhou para o aparelho como se ele tivesse alguma culpa nisso. Bem, só precisava de mais alguns segundos antes de acordar por completo.

Repentinamente o rádio transmissor ficou silencioso, o que despertou a mãe de imediato. Quando ia levantar, escutou algo que parecia uma mão agarrando a extensão no quarto do nenê. O terror a deixou paralisada por meio segundo, tempo suficiente para escutar uma voz fantasmagórica e dissonante, que escarneceu:

- Devia cuidar melhor do seu filhinho.

Ela correu desesperada, chegando bem a tempo de ver os pezinhos do filho sumindo nas sombras abaixo do berço. Jogou o móvel para o lado e então gritou de horror e descrença.

Nunca mais viu seu bebê.

sábado, 22 de maio de 2010

Quem cambaleia sempre alcança! Os ZUMBIS estão chegando!!!


Amigos, está quase chegando o dia do lançamento do livro Zumbis - Quem disse que eles estão mortos? (All Print Editora, organização de Ademir Pascale) . Fui um dos dois autores especialmente convidados para escrever um conto no livro, e tenho muito orgulho da minha história Meu Inferno sou Eu, escolhida para abrir a coletânea. O evento será no dia 06 de junho, a partir das 17:00 na Ludo Luderia, Rua 13 de Maio, número 972, Rua Bela Vista, São Paulo. A entrada é franca.

Estarei lá, aguardando sua presença para trocar umas idéias sobre terror, filmes, livros, mortos-vivos e todos esses assuntos que adoramos. E é claro, quem quiser comprar o livro na hora, ganha autógrafo meu e de todos os escritores presentes. Qualquer dúvida, é só perguntar nos comentários. Veja o convite abaixo para mais detalhes:


Grande abraço, e até mais!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Leia um miniconto meu na e-zine Flores do Lado de Cima


Olá! Lembram do concurso de minicontos que falei, que consegui me classificar entre os 20 primeiros? Bem, aqui está a edição especial da zine Flores do Lado de Cima, trazendo os minicontos vencedores. Quem quiser baixar para ler o meu miniconto (e todos os demais, que estão excelentes e muito bem escolhidos!), você encontra o arquivo clicando aqui. Abraços, até mais!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Eu, eu, eu!

Semana de novidades sobre este humilde escritor que vos fala! Tem entrevista minha, concurso para ganhar o livro Invasão (que tem um conto meu), divulgação do lançamento de outro livro que estou participando e algumas novidades boas (ao menos para mim, he he) no final do post. Então seja um leitor bonzinho e confira tudo até o fim!

Pra começar, o blog Criando Testrálios (sobre o mundo da fantasia) publicou uma entrevista minha, que pode ser lida clicando aqui. Além disso, o mesmo blog está fazendo um concurso com o livro Invasão, antologia de contos sobre invasões ao planeta Terra. Os contos são, em sua maioria, de Ficção Científica, mas o meu puxou um pouco para o terror também. Então, se quiser ganhar um exemplar, clique aqui e confira as regras!

A antologia Zumbis - Quem disse que eles estão Mortos? (All Print, organização de Ademir Pascale) está quase saindo do forno. O lançamento será dia 06 de junho, a partir das 17:00 na Ludo Luderia, Rua 13 de Maio, número 972, Rua Bela Vista, São Paulo. Se não der nenhuma zebra, eu estarei presente! Então, é mais uma chance para você me conhecer! Uh-húl! (calma, não precisa pular tanto de alegria...). Veja o convite abaixo para mais detalhes, espero que dessa vez PELO MENOS UM LEITOR DOS MEUS BLOGS compareça!!!! Huahauaha!


Por fim, o escritor e ensaista Roberto de Souza Causo escreveu uma matéria para a revista americana Locus, uma importante publicação sobre Ficção Científica.

Na reportagem, temos um panorama muito exato da literatura fantástica nacional, seu recente crescimento de uns anos pra cá, etc. Além de citar alguns dos livros lançados recentemente, Causo também citou o nome de alguns escritores... entre estes nomes, está o meu!!! (fazendo a dancinha da vitória enquanto digito isso). Caso queiram conferir se não estou inventando (seus desconfiados!), clique no scam da página abaixo, onde meu nome é citado. Está ali na terceira coluna, algumas linhas abaixo da palavra Invasão (em negrito). E quem quiser conferir a matéria completa, basta clicar aqui.


Por fim, o blog MedoB começou a publicar, além das minhas resenhas, meus contos. O primeiro conto postado O Lençol (que muitos de vocês já devem conhecer) foi muito bem recebido e está gerando muitos comentários, na maioria positivos, um ou outro negativo. Se quiser conferir a repercussão, basta clicar aqui.

Um grande abraço, e até mais!

domingo, 9 de maio de 2010

NÃO HÁ MONSTRO ALGUM

Ok, aqui vai o outro conto que mandei para o concurso do Estronho. É meio bestinha, mas é melhor que nada, rs. Abraços!

Não há monstro algum!


- Tia, tem um monstro embaixo da minha cama!

- Não há monstro algum! Já olhei, já mostrei, então chega. Vê se dorme!

Sem remédio, a menina observou a luz do corredor afinando enquanto a porta era fechada. Quando tudo ficou escuro, ela puxou o cobertor até a cabeça, chorando baixinho.

Após alguns minutos escutou o som novamente, aquele ronco suave que fazia o colchão vibrar. A tia havia dito que era apenas o encanamento, então se apegou a isso com toda força, murmurando: São os canos, os canos, os...

Aos poucos, sentiu seu lençol ficando úmido. Teria urinado? Não, não era isso, o material em que estava deitada é que se molhava sozinho. Com horror, percebeu que jazia sobre algo parecido com uma língua gigante.

Uma garganta rodeada por dentes podres se abriu no colchão, engolindo a garotinha antes que tivesse tempo de gritar.

- Falei que não tinha nada embaixo da cama – falou a tia ao entrar, alisando o móvel que soltava um arroto satisfeito. – Nenhum monstro ousaria.


terça-feira, 20 de abril de 2010

A ÚLTIMA VONTADE

A garotinha acordou com o som de algo se debatendo debaixo de sua cama. Ficou imobilizada de pavor, esperando que aquilo acabasse. Sabia que gritar pelos pais era inútil. Os monstros desapareciam num passe de mágica quando os adultos chegavam, e ela ficaria com cara de boba.
Aos poucos as pancadas foram parando, até se reduzirem ao silêncio inquietante. Após bastante tempo sem ouvir nada, a criança conseguiu adormecer.
Na manhã seguinte, a luz salvadora entrou pela janela quando a mãe afastou as cortinas. A menina pulou para o chão e olhou embaixo da cama, pois se estivesse sozinha, não teria coragem de conferir.
Berrou ao ver a face do lobisomem. Sua mãe foi olhar e fez o mesmo.
Em desespero, puxaram para fora o irmão mais novo da garotinha. O menino de cinco anos ainda usava a monstruosa máscara de borracha que, de alguma forma, o sufocara. Certamente, ele havia se arrastado até ali embaixo durante a madrugada, para pregar um susto na irmã.
Ao menos, sua última vontade havia se realizado.

Resultado do 2º Concurso de Minicontos do Estronho e Esquésito

Pessoal, participei do segundo concurso de minicontos do site Estronho e Esquésito, cujo tema era O Monstro Debaixo da Cama. Concorrendo contra 113 autores (com 195 contos inscritos), consegui um 16º lugar com minha história Perigos Noturnos. É, não é um resultado ruim. Queria ter ficado entre os 3 primeiros, óbvio, mas se não deu, o jeito é tentar com ainda mais empenho no próximo. E parabéns aos ganhadores, cujos nomes podem ser conferidos clicando aqui!

Enfim, concorri com três minicontos. Um dos que não ganharam nada, vou publicar aqui no blog (está logo acima!). Logo logo, o Estronho vai publicar os contos vencedores, então eu trago o link para vocês conferirem. Abraços, boa leitura!